Como já é do vosso conhecimento, a SS é hoje uma doença amplamente caracterizada pela sua grande variedade de manifestações. Assim, e de acordo com a extensão da linfoproliferação a doença varia entre um distúrbio limitado às glândulas exócrinas, responsável pela denominada síndrome seca, até um distúrbio sistémico com diversas manifestações extra glandulares. Por esse motivo, nem sempre ela é reconhecida e muitos são os casos em que, para além de uma considerável demora no seu diagnóstico, é ainda erroneamente confundida com muitas outras patologias.
Este artigo tem como objectivo, dar-vos a conhecer algumas das principais manifestações neurológicas na SS. Elas podem afectar tanto o sistema nervoso periférico (SNP) quanto o sistema nervoso central (SNC).
A fim de que possam ter um melhor entendimento sobre este artigo, devo antes de mais, explicar-vos alguns termos que aqui vão ser utilizados:
Neuropatia:
Doença, inflamação ou lesão dos nervos periféricos que ligam o sistema nervoso central (cérebro e espinal medula) aos órgãos dos sentidos, músculos, glândulas e órgãos internos. Os sintomas causados por neuropatias incluem dormência, formigueiro, dor ou fraqueza muscular, dependendo dos nervos afectados.
Neuropatia distal:
Inicia-se com uma lesão na extremidade de um nervo (a mais afastada do cérebro ou da espinal medula).
Neuropatia simétrica:
Afecta os nervos nos mesmos locais de cada lado do corpo.
Mononeuropatia:
Lesão de um só nervo.
Polineuropatia:
Lesão de diversos nervos.
Sistema Nervoso Periférico (SNP):
Das complicações mais frequentes e conhecidas na SS estão sem dúvida as neuropatias periféricas, com uma prevalência que poderá atingir os 50% de portadores, chegando muitas vezes a preceder em cerca de 2 anos, os sintomas clássicos desta síndrome, podendo mesmo dominar o quadro clínico da doença, contribuindo assim para um diagnóstico incorrecto.
No contexto da SS, têm sido descritas várias formas de neuropatia como por exemplo: Polineuropatia simétrica distal, neuropatia sensitiva, mononeuropatia múltipla, neuropatia autonómica e várias combinações destes distúrbios.
A existência de diferentes tipos de neuropatia parece ser indicativo de que diferentes mecanismos patológicos poderão estar envolvidos.
Os doentes com neuropatia simétrica distal, podem apresentar polineuropatia sensitiva pura ou sensitivo-motora.
A neuropatia sensitiva distal e simétrica é a mais comum nestes doentes, tendo como sintomas iniciais: Parestesias (sensação de formigueiro ou picadas numa dada zona da pele, geralmente associada a dormência e ocasionalmente a uma sensação de ardor) e/ou hiperalgesia (percepção exagerada de um estímulo doloroso) a nível dos pés. O início é tipicamente insidioso e a evolução lentamente progressiva, acabando por determinar graus ligeiros a moderados de défices e sintomas.
Os sintomas de neuropatias dependem de elas afectarem principalmente as fibras nervosas sensitivas, ou as fibras nervosas motoras.
A lesão das fibras nervosas sensitivas pode provocar dormência e formigueiro, sensações de frio ou dor, muitas vezes com início nas mãos e pés e progredindo em direcção ao corpo. A lesão das fibras motoras pode causar diminuição de força muscular e atrofia dos músculos.
A lesão dos nervos do sistema nervoso autónomo pode conduzir a perturbações da visão, diminuição ou ausência de transpiração, desmaios relacionados com quedas de tensão e perturbações de funcionamento do estômago, intestinos, bexiga e órgãos genitais, incluindo incontinência e impotência.
Sistema Nervoso Central (SNC):
O envolvimento do SNC não é tão frequente quanto o SNP, todavia estima-se uma prevalência de cerca de 20 a 25%. Pode-se manifestar através de disfunções do cérebro ou da espinal-medula.
O envolvimento cerebral pode levar a anomalias neurológicas focais ou difusas. Distúrbios de natureza focal podem incluir hemiparesias (fraqueza muscular ou paralisia parcial que atinge um dos lados do corpo), hemianalgesias (perda de sensibilidade à dor num dos lados do corpo), afasia/disartria (perda da capacidade e das habilidades de linguagem falada e escrita), crises convulsivas, sintomas e sinais sugestivos de envolvimento extrapiramidal, cerebeloso ou do tronco cerebral (o sistema extrapiramidal é uma rede de conexões nervosas que ligam as células nervosas na superfície do cérebro, os gânglios basais no interior do encéfalo e partes do tronco cerebral. Este sistema influencia e modifica os impulsos eléctricos enviados do encéfalo para iniciar movimentos). As manifestações difusas incluem encefalopatia aguda ou subaguda, meningite asséptica, disfunção cognitiva, demência ou manifestações psiquiátricas (histeria, hipocondrias, somatização, disforia, ansiedade e síndrome de pânico são as mais comuns).
Muitas vezes, porque os doentes para além das manifestações neurológicas, não apresentam queixas relacionadas com xeroftalmia ou xerostomia a SS é equivocamente diagnosticada como: Esclerose múltipla, doença de Parkinson, meningite recorrente, lúpus eritematoso sistémico, fibromialgia, esclerose lateral amiotrófica, síndrome de Guillain-Barré, Alzheimer e vários outros tipos de demência.
Conclusões:
Embora a SS seja conhecida e apelidada de Síndrome Seca, nem sempre as glândulas lacrimais e salivares são afectadas de forma exuberante, sendo muitas vezes a presença de outros sinais sistémicos, factor determinante na investigação da possibilidade de existência de SS.
O polimorfismo das manifestações clínicas aliada às lacunas quanto à história natural da doença, à sua patogénese, incidência na população, critérios de diagnóstico e variedades ou subtipos da mesma doença, explicam o facto de ainda se verificar um atraso médio de cerca de nove anos e meio entre o início dos sintomas e o seu diagnóstico.
O rápido reconhecimento da SS nos doentes com envolvimento do sistema nervoso é muito importante, pois se por um lado, mesmo que assintomáticas, a xeroftalmia e a xerostomia nos podem levar a complicações locais graves, potencialmente evitadas se instituído um tratamento adequado, por outro, determina uma causa inflamatória e potencialmente tratável para a neuropatia de modo a evitar complicações a longo prazo que poderão reduzir a eficácia dos tratamentos disponíveis.